Game of Thrones e as crenças Celtas
Tudo que diz respeito ao período medieval sempre me atraiu, a arte, a ciência, as superstições, as relações sociais e várias outras coisas. Pessoalmente no campo de estudo das artes tenho uma queda pelo período e acabo sempre voltando à ele. O pessoal do meu trabalho não sabe muitas coisas sobre meus gostos pessoais, então quando uma colega de trabalho comentou a série “Game of Thrones” comigo, falou que tinha muito sangue mas o enredo era bem construído. Mas ela não sabia que eu gostava do período medieval e de mitologia celta. Demorei um pouco a me render à série, porém chegou o dia. Enfim, assisti e adorei, não só pela fotografia e figurino que são muito bons, mas pelo pelo enredo e a maneira como utilizam costumes celtas e as crenças ainda arraigadas nesse período histórico. Os jogos de poder também me atraem, assim como as lutas. Eu não tive a oportunidade de ler “As Crônicas de Gelo e Fogo” de George R. R. Martin, mas pretendo mudar isso em breve.
Desde o início o que mais me chamou atenção foi a maneira como os costumes e crenças celtas foram utilizados na série, o que é uma abordagem pouco usual em séries e filmes do período medieval. Na maioria das vezes esse passado celta é abordado de maneira superficial ou nem é aproveitado. É perceptível para quem estuda História e conhece por exemplo o “Regimento Proveitoso contra a Pestilência” (Portugal, 1496), escritos do período medieval que ensinavam as pessoas a defender-se da peste. Esse Regimento misturava medicina e ciência, mas também superstições diversas baseadas na tradição árabe. Isso era fruto ainda das crenças dos povos antigos, a Europa demorou a aceitar o cristianismo como sua religião, quando finalmente aceitou, suas antigas crenças tinham espaço em sua nova religião. Na série são citados diversas vezes os antigos e os novos deuses, sem aprofundar no entanto qual seriam esses deuses.
Para os celtas e druidas o voo das aves era considerado uma adivinhação de futuros possíveis e eram vistos como alegorias da alma humana. Os corvos eram escutados como como sendo vozes que expressavam acontecimentos que iriam dar. O garoto Bran Stark, tem um sonho recorrente com um corvo de três olhos. Os três olhos significam três tipos de visões simultâneas: um olho vê o passado, outro o presente e o outro o futuro.
Nas histórias contadas no País de Gales, as aves da deusa Rhiannon embalavam os enfermos para que dormissem. Os corvos também eram presságio de morte iminente, porque são animais que se alimentam de cadáveres.
Havia também a crença de que os humanos poderiam se transformar, mudar de forma. Jaqen H’ghar, era um dos presos encontrados em Porto real logo após a execução de Eddard Stark. Arya Stark salvou Jaqen e dois de seus companheiros de prisão de um incêndio.
Em Harrenhal, Jaqen encontrou Arya novamente e disse que ela poderia escolher três pessoas para ele matar, pois ela o salvou junto com seus colegas de cela. Então havia uma dívida de três mortes para o Deus Vermelho. Posteriormente, Jaqen diz que Arya poderia precisar novamente de sua ajuda, oferece uma moeda a ela e diz que poderá dá-la a qualquer homem de Braavos, dizendo as palavras “Valar Morghulis”. Depois disso, ele diz a Arya que Jaqen H’ghar deve morrer, passa as mãos sobre seu rosto e se transforma em um homem com semblante diferente.
Para os celtas não há fronteira impenetrável entre o mundo humano e animal. Pessoas também poderiam ser transformadas em animais. Os mitos irlandeses e do País de Gales, contam histórias de pessoas transformadas em bichos ou animais que repartem a sabedoria com seres humanos. A mudança de forma e a magia afetam a bravura e a valentia nas histórias narradas. Na série há vários exemplos de wargs, pessoas que deixam seu próprio corpo e entram em outros corpos, de animais. Mas nas antigas crenças, esses corpos poderiam ser corpos humanos também. Bran Stark tem essa habilidade, ainda está aprendendo a lidar com ela.
Os povos celtas compartilham a opinião de que a realidade se divide em vários extratos, o mundo vulgar e uma outra realidade onde existem outros seres que podem facilmente penetrar na vida cotidiana. A possibilidade de se atravessar o mundo vulgar para outro mundo é uma realidade que se encontra nos mitos do País de Gales e Irlanda. Nesses mitos, como sucede as histórias de caça, as criaturas e os deuses se movem livremente do outro mundo para esse mundo. O outro lado pode ser o local onde os mortos vivem bem e onde os guerreiros continuam a lutar ou pode ser um lugar escuro, sombrio e perigoso, especialmente para um humano que o visite antes de morrer. Não é a toa que o lema da casa Stark é “O inverno está chegando”. Em breve todas a casas terão que se preocupar muito mais em estarem vivos que com guerras por traições ou interesse.
Caminhantes brancos segundo Stannis Baratheon: “Demônios feitos de neve, gelo e frio (…) O antigo inimigo. O único inimigo que importa”.
Gostei do seu texto,muito legal!
Recomendo o livro de Carlo Ginzburg, Os Andarilhos do bem (i benandanti), uma pesquisa sobre bruxaria e magia no norte da Itália dos séculos XV e XVI, fruto de uma pesquisa que teve como fontes principais processos inquisitoriais. Os benandanti e os malandanti eram duas partes de uma mesma lógica, e ali estão presentes crenças antigas, como a transformação de pessoas em animais, como ratos, por exemplo, e a ação de outras criaturas mitológicas, como lobisomens.
Nossa, mais de um ano que escreveu. Desculpe responder, vi somente hoje. Irei procurar, obrigada! 🙂
Mandou mto bem !!!
Obrigada! 😉
Marcus Vinicius, leia também os posts sobre vikings e boho goth (acho que vai gostar):
https://alienagratia.wordpress.com/2011/03/03/godric-o-pacifista-de-true-blood/
https://alienagratia.wordpress.com/2015/06/04/boho-goth-o-que-a-arte-tem-a-ver-com-isso/