Sobre o processo de criação artística: Michael Pitt e Kurt Cobain
Tenho notado que apesar da falta de atualizações minhas estatísticas aumentaram, tenho muitos comentários para autorizar e responder . Meus leitores ainda não desistiram de mim (ainda bem). Muito obrigada pela fidelidade. Sobre mim, estou muito mas muito ocupada, o ano está passando e eu nem vi. Estou trabalhando em três lugares, o dia todo. Inclusive aos sábados. Por isso, infelizmente não tenho entrado aqui para atualizar. Esse ano conheci alunos e professores novos, estou vivendo/sendo feliz. Quanto ao dinheiro, esse eu nunca tive. Vamos levando, rs…
Atualmente o que mais faz sentido para mim no sentido do ensino de arte é o processo de criação artística. Isso vem me impulsionando no trabalho com os alunos do nono ano. Pedi para que fizessem um diário, o motivo é que conheçam melhor a si mesmos e possam identificar qual linguagem comporta melhor suas ideias (conceitos). Essa linguagem pode ser a música, a literatura, o desenho, o design gráfico, a fotografia, a performance, instalações…
No início não estava fluindo bem, porém agora a proposta começa a frutificar. Estão surgindo ideias muito boas e trabalhos muito bons. Meus alunos são naturalmente inteligentes e alguns já possuem ligação com a arte, somente nem desconfiam disso. Falta lapidar essa consciência e mostrar a intencionalidade na criação da obra de arte.
No meio do processo começo a redescobrir Michael Pitt, que é um ator que admiro muito, tanto por suas escolhas em filmes fora da zona de conforto quanto pelo seu envolvimento com a arte. Na minha adolescência, Michael Pitt era minha referência de beleza masculina, ou seja sempre o achei lindo. Eu o achava belo e maravilhosamente estranho, eu adoro gente bonita e estranha. Mais que isso ele tinha uma real vida underground fora das telas, o que o torna também uma referência artística das mais relevantes.
Michael Pitt e Jamie Bochert
Se eu fossse homem certamente teria um estilo parecido com o dele. Agora vamos parar com a a babação de ovo e falar do que é mais relevante, seu talento. É conhecido seu trabalho como músico dentro da banda Pagoda, assim como suas criações solo. Suas ideias de videoclipes são arte experimental pura, transbordando sua personalidade inquieta e obscura através da fotografia dos vídeos e através da sua música. Aliás Pagoda criou clipes especiais para o filme Last Days, que vamos falar agora.
Michael Pitt é Blake em Last Days: uma licença poética de Van Sant para falar de Kurt Cobain
Há um filme em que Pitt incorpora outra personalidade artística, a personalidade de Kurt Cobain. Last Days de Gus Van Sant mostra Kurt atormentado em seus últimos dias de vida. Também Kurt tinha diários e produzia muito de suas ideias para músicas através desse meio. Esse conjunto de escrita e desenho de Kurt foi chamado de Journals e ele nunca quis sua publicação. Cobain tinha mania de desenhar “cavalos marinhos grávidos” (para quem não sabe é uma das únicas espécies em que o macho é que espera a cria).
Trechos dos diários do Kurt Cobain (reunidos no que chamam “Journals”)
Pena que Kurt esqueceu o trecho “ame você mesmo”. Isso me faz lembrar o “Manifesto sobre a vida do artista” da Marina Abramovic: A relação entre o artista e o suicídio: o suicídio é um crime contra a vida. O artista não deve cometer suicídio. Longe de criticar, ainda acho que se Kurt deixasse de ser músico e fosse somente um artista plástico (ele tinha talento para isso, facilmente percebido através de seus conceitos), ele nunca teria cometido suicídio. O problema do Kurt foi a combinação de depressão, drogas e pressão de ser um rockstar. Os fãs e a mídia contribuiram para sua morte à medida que acreditavam que suas fotos com arma na cabeça eram uma maneira de chamar atenção para seu trabalho exaltando sua excentricidade. Kurt tinha problemas, muito graves. Courtney já havia o salvado do suicídio três vezes antes do seu fim.
Kurt Cobain desenhando quando era um garoto. Bem que podíamos cultivar a ingenuidade para sempre, mas um dia a gente cresce e vê que para sobreviver tem que ser forte. Kurt não conseguiu, quem sabe se ele tivesse continuado desenhando ao invés de ser uma estrela da música? O Kurt achava seus desenhos muito ruins, todos gostavam. Menos ele. Quando adulto ele dizia, “Ninguém morre virgem, a vida f*d* com todos nós”.
Quanto a parte do não ser sexista é fruto dos festivais de riot girls que ele frequentava, onde ele conheceu a Courtney. Kurt era um homem que abominava a misoginia.
Voltando ao Michael Pitt, aí está o rapaz em “Last Days”
Michael Pitt sempre agarra papéis que lhe agradam, pelo teor alternativo da narrativa ou pelo significado do trabalho. Eu não imaginaria o ator em filmes para as grandes massas americanas. Acho que ele sempre vai ser cult e restrito aos seus fãs e acho isso bem legal, ainda mais hoje em que as pessoas fazem de tudo por dinheiro e fama.
Eu adoro esse clipe e ele foi passado para mim por um amigo que sabe que gosto de Joey Ramone e Michael Pitt. É uma versão punk para o clássico de Louis Armstrong.
Michael Pitt tem um canal no youtube e imagina minha surpresa quando eu dei de cara com seus vídeos cheios de experimentações e citações neogóticas variadas. “Summon it”, chamou muito minha atenção, a ponto de ver exaustivas vezes. Primeiro porque Pitt incorpora o espírito sombrio que lhe é próprio, através de sua aparência, utilizando aspectos simbólicos como a casa abandonada, aves de rapina e o crânio de animal, além das locações que são extremamente interessantes, assim como a estória do clipe que nos faz lembrar alguma estória de terror em que o mal é aprisionado em uma casa. E de alguma forma é vencido no final, através do fogo.
Em “Rivers Tide” ele incorpora a mesma sensação de abandono, além das referências sombrias, porém com um ar étnico que lhe agrada. O clipe foi gravado em um deserto no Marrocos. Esse clipe tem a participação de sua namorada, Jamie Bochert que é modelo e também musicista (cantora/guitarrista/pianista).
Mas não é só com a música que Pitt desenvolve seu talento. esse vídeo dele é um processo de criação artística de intervenção em uma porta de madeira com desenhos, colagens, pregos e parafusos. Através dessa intervenção vemos que ele possui interesse pela mitologia indiana.
Enfim, vivemos em um período em que a contaminação das linguagens artísticas que a arte contemporânea promove está mais acessível que nunca. O que você está esperando para produzir arte, seja de qual forma for? A única coisa imprescindível é o repertório, criatividade e a inteligência. Além da ausência de preconceitos, consigo e com os outros. A arte continua sendo a única coisa que nos salva da realidade, mesmo a mais cruel.
Tem razão. O que eu estou esperando?